Qualquer um que provar um pedaço de jiló sentirá o amargo em alguns milissegundos. Muitos rejeitarão esse sabor, o que é uma pena.
A ciência pesquisa o tema, mas não se sabe ao certo o que faz alguém gostar ou desgostar de certos alimentos.
“Há uma nuvem de fatores que envolvem a degustação”, diz o neurofisiologista brasileiro Ivan Eid de Araújo. Existem os fatores biológicos –como os receptores gustativos da língua, o olfato e até a temperatura do alimento–, mas também os genéticos, pouco conhecidos, e os socioculturais, muito variáveis.
“A quantidade de influências extraorais é enorme. Crianças que comem com a família várias vezes por semana, por exemplo, se alimentam melhor”, diz o especialista, que é pesquisador na Universidade Yale (EUA).
Para complicar, o jeito que cada um processa um gosto é influenciado por sensações psicológicas e físicas de prazer. “Alguns alimentos ativam regiões ligadas à sensação de bem-estar. Quanto mais energética for a comida, mais sentimos prazer. É uma questão biológica, para garantir nossa sobrevivência”, afirma o neuropsicólogo Paulo Jannuzzi Cunha, do Hospital das Clínicas de SP.
Sobre o prazer psicológico, a lógica é simples: preferimos alimentos ligados a memórias positivas. E é aí que o sabor doce sai ganhando: além de ser energético, quase sempre traz boas lembranças.
Se não há certeza sobre o porquê das preferências, uma coisa é certa: quanto mais sabores tem uma dieta, melhor.
“Gostos diferentes significam nutrientes diferentes. Frutas cítricas têm esse sabor por causa do ácido ascórbico”, explica a nutricionista Cláudia Lobo, autora de ªComida de Criançaº (MG Editores, 248 págs., R$ 69,90).
Proteínas e minerais também têm gostos próprios.
EXERCITE A LÍNGUA
A variedade é boa não só para o corpo. Cada gosto ativa grupos de receptores específicos na língua e em regiões cerebrais distintas.
Degustar o amargo, o doce e o azedo é uma boa maneira de exercitar o cérebro, segundo a pesquisadora espanhola Ana San Gabriel, que estuda a fisiologia do sabor. “É parecido com falar diferente línguas ou ver diferentes cores.”
San Gabriel é coordenadora do Centro de Informação do Umami, organização internacional que divulga o quinto gosto reconhecido pela ciência (além de doce, salgado, azedo e amargo).
O gosto umami (que quer dizer “saboroso” em japonês) foi reconhecido como tal no começo dos anos 2000. A descoberta, porém, foi feita há mais de cem anos por um japonês que ficou intrigado com o sabor único de uma sopa de algas, diferente de tudo que ele conhecia. Ele começou a pesquisar e descobriu a molécula responsável por aquele gosto.
Hoje, o umami é definido como o gosto de aminoácidos tipo glutamato, presente em proteínas. Está entre o salgado e o doce, mas permanece por mais tempo na boca.
O queijo parmesão curado tem alta concentração de umami, presente também em cogumelos, carnes e legumes (veja tabela).
Para Ricardo Maranhão, professor de história da gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, apesar de o umami ser pouco reconhecido, é popular. “A comida brasileira tem muito desse gosto. Feijão com carnes embutidas, por exemplo.”
Além do umami “in natura”, há produtos industrializados que ganham esse sabor a partir da adição de glutamato monossódico. A substância está presente no trio ketchup, salsicha e macarrão instantâneo, unanimidade entre as crianças, coitadas.
EDUCAÇÃO DE GOSTO
Contra essa armadilha do “saboroso” é preciso treinar o paladar infantil. Não é verdade que as crianças são mais frescas do que os adultos para comer, o que acontece é que elas são mal acostumadas com o mais fácil.
“Os primeiros alimentos são adocicados. Leite da mãe, mamadeiras preparadas com farinhas, papinhas de frutas aguadas e doces”, diz a nutricionista Cláudia Lobo.
Perder o costume é difícil. Uma forma é fazer com que a criança prove de oito a 12 vezes um mesmo alimento preparado de formas diferentes: cozido, grelhado, assado. Só assim ela poderá dizer se gosta ou não do sabor. “Se fizermos isso, a minoria dos alimentos será rejeitada.”
Se há resistência a algum sabor, mesmo depois de adulto vale usar o velho truque de enfeitar a comida (um bolinho de espinafre), abusar de temperos naturais e se aproveitar de industrializados que deixam a comida mais gostosa e não são tão vilões.
“Não vejo problemas no uso de temperos prontos, maionese ou ketchup, se for para melhorar a variedade da dieta”, diz a nutricionista Carolina Godoy.
Pessoas mais velhas ou pacientes de quimioterapia podem perder o prazer pela comida. Isso acontece porque as papilas gustativas deixam de se renovar com a frequência ideal.
Para essas pessoas, conhecer o sabor umami pode ser útil. A nutricionista Ilana Elman, em sua tese de doutorado, constatou que crianças com dificuldades alimentares são sensíveis ao quinto gosto e aceitam melhor a comida com esse sabor, industrializada ou não.
Mas o uso exagerado de realçadores de gosto esconde o alimento e causa dependência, alerta a bioquímica e nutricionista Lucyanna Kalluf. “A pessoa pode só gostar de comer brócolis se for com tempero artificial.”
Para Elman, os industrializados já fazem parte da dieta e esse é um caminho sem volta, viciamos no sabor e na facilidade. Para as crianças, ela recomenda o preparo mais caseiro de pratos considerados “trash food”, como hambúrguer ou nuggets.
FONTE: Folha.com