Ora, contar histórias de fadas! Tem tarefa mais fútil e menos importante do que essa para mães e pais que se preocupam em formar filhos e filhas com uma visão de mundo norteada por determinados valores e pela busca de uma vida saudável, autônoma e equilibrada? Todo mundo que tem filho ou já conviveu com crianças pequenas sabe como gostam de histórias. Pode ser uma dessas infantis clássicas, pode ser uma inventada na hora, não importa; o que importa é que a criança sinta prazer, ria ou chore com o enredo e os personagens do conto.
E, quando uma criança gosta de história que ouviu, não dá trégua para a mãe ou o pai: quer ouvir todas as noites e não perdoa a mínima mudança feita na história, seja por mero esquecimento, seja com o objetivo de encurtá-la devido ao cansaço do dia, por exemplo. Não: os filhos querem ouvir a história contada do mesmo jeito sempre. Se da primeira vez deu certo, ou seja, deu prazer, terá de ser sempre daquele jeito. Isso serve para que a criança assegure e antecipe o prazer que virá; além do mais, ajuda a criança a ter uma certa estabilidade e previsão sobre sua vida, já que o dia dela é sempre cheio de surpresas, por mais rotineiro que seja.
E o que dizem as histórias infantis? Falam de fadas boazinhas, bruxas malvadas, mágicas e transformações, encantos e encantamentos e, principalmente, falam de um final feliz. Claro que nada disso tem a ver com a vida como ela é e com o jeito de ser do mundo adulto; elas dizem respeito ao mundo infantil, às fantasias da infância. Como se tornar adulto na hora certa sem passar por essa fase, sem acreditar em bruxarias, sem ter medos irracionais, sem soltar a imaginação?
Lembro-me de um pai que estava às voltas com o filho de 4 anos que não dormia mais sozinho em seu quarto por causa do medo dos monstros que se escondiam entre as cortinas da janela. Todas as soluções práticas e adultas os pais do garoto já tinham tentando: vasculhar o quarto com a criança antes de ela ir dormir para que ficasse provado que não havia monstro algum, tirar as cortinas, ficar com ela até que ela adormecesse, explicações mil de que monstros não existem, entre outras. Mas que nada! O garoto sofria e não deixava os pais dormirem por causa dos monstros noturnos que invadiam seu quarto toda santa noite. Um belo dia, o pai teve a brilhante idéia de ensinar o filho a lutar contra os monstros e a vencê-los. Deu certo! Finalmente o pai reconheceu o mundo cheio de fantasias do filho.
Contar histórias é, principalmente, um ato de carinho por parte do adulto, que reconhece que a criança pode aprender muito, de modo lúdico e prazeroso, a respeito do mundo que a espera. Não, nem pensar que isso possa ser substituído pelo aluguel de fitas infantis na videolocadora. Essa já é uma outra história, que fica para uma próxima vez.
Por ora, basta dizer que nada substitui a entonação de voz da mãe ou do pai que conta a história ao filho, os comentários que são feitos em determinados trechos, a dramatização que surge quase espontaneamente em certos episódios, o aconchego que o filho sente quando experimenta o medo ou outros afetos conflitantes estimulados pela história. É a presença de um dos pais contando a história que pode amenizar, por exemplo, determinados estereótipos e preconceitos sobre homem e mulher que frequentemente os contos infantis trazem.
Os fantásticos contos de fadas, recheados de rainhas, princesas, bruxas, príncipes e mágicas, permitem que a criança imagine e crie outras formas de viver a realidade diária da vida, o que contribui positivamente para a formação. Muito diferente do que promovem as “fadas”, “rainhas” e “feiticeiras” que atualmente povoam o mundo real de nossas crianças.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?” (ed. Publifolha)