Além de banalizar o conceito, o que mais conseguimos ao abusar desse termo? Alarmar os pais.
Há muita gente que não aguenta mais ouvir falar de bullying. O assunto é tema de reportagens nos jornais diários de todos os tipos, nas revistas semanais, nas prateleiras das livrarias, nas bancas de revistas, na internet etc.
Já conseguimos esvaziar o sentido dessa palavra e seu conceito de tanto que a usamos e de tanto fazer associações indevidas com o termo.
Basta um pequeno drama ou uma grande tragédia acontecer, envolvendo jovens, que não demora a aparecer a palavra mágica. Agora, ela serve para quase tudo.
Além de banalizar o conceito, o que mais conseguimos com o abuso que temos feito dele? Alarmar os pais com filhos de todas as idades.
Agora, a preocupação número um deles é evitar que o filho sofra o tal bullying. O filho de quatro anos chega em casa com marca de mordida de um colega? Os pais já pensam em bullying. A filha reclama de uma colega dizendo que sempre tem de ceder seu brinquedo, ou o filho diz que tem medo de apanhar de um colega de classe? Os pais pensam a mesma coisa.
Alguns deram, por exemplo, de reclamar que a escola que o filho frequenta tem, no mesmo espaço, estudantes de todas as idades e dos vários ciclos escolares.
Então agora vamos passar a considerar perniciosa a convivência entre os mais jovens porque há diferença de idade entre eles? Decididamente, isso não é uma boa coisa.
As crianças e os jovens aprendem muito, muito mesmo, com o convívio com seus pares mais novos e mais velhos. Ter acesso a alguns segredos da vida adulta pelas palavras de outra criança ou de um adolescente, por exemplo, é muito mais sadio e interessante do que por um adulto. Um exemplo? A sexualidade.
Outro dia ouvi um diálogo maravilhoso entre uma criança de uns dez anos e um adolescente de quase 16. O assunto era namoro. Em um grupo, os mais velhos comentavam suas façanhas beijoqueiras com garotas. A criança “”pelo que entendi, ele era irmão de um dos mais velhos”” passou a participar da conversa querendo saber detalhes do que ele chamou de beijo de língua e ameaçou começar a também contar suas vantagens.
Logo a turma adolescente reagiu, e um deles falou que ele era muito criança para entrar no assunto. E um outro disse, sem mais nem menos: “Agora você está na idade de ouvir essas coisas e não de fazer, está entendido?”. O menor calou-se e ficou prestando a maior atenção à conversa dos maiores, sem intervir.
Imaginei a cena se tivesse acontecido com o garoto de dez anos e adultos. Não seria nada difícil que eles dessem atenção ao menino, que quisessem saber e fornecer detalhes a respeito das intimidades que podem acontecer num encontro entre duas pessoas. Muito melhor assim do jeito que foi, não é verdade? Com a maior simplicidade, o garoto foi colocado em seu lugar de criança e nem se importou com isso, mas, mesmo assim, pôde participar como observador da conversa dos mais velhos.
Conflitos, pequenas brigas, disputas constantes acontecem entre crianças e jovens? Claro. Sempre aconteceram e sempre acontecerão.
Mas esses fatos, na proporção em que costumam acontecer, não podem ser nomeados como bullying. Fazer isso é banalizar o tema, que é sério. Aliás, isso tudo acontece sem ultrapassar os limites das relações civilizadas se há adultos por perto. Essa é nossa questão de sempre, por falar nisso.
O verdadeiro bullying só acontece em situações em que os mais novos se encontram por conta própria, sem a companhia e a tutela de adultos, sem ainda ter condições para tal.
Caro leitor: se você tem filhos, não os prive da companhia de colegas diferentes no comportamento, na idade etc.
Esses relacionamentos, mesmo conflituosos, são verdadeiras lições de vida para eles que, assim, aprendem a criar mecanismos de defesa, a avaliar riscos e, principalmente, a reconhecer as situações em que precisam pedir ajuda.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?” (Publifolha)
Fonte: Folha de S. Paulo, Equilíbrio, 10/5/2011